MEC aprova cursos de Direito a distância e reabre debate entre especialistas

Mais de dez instituições de educação superior anunciaram neste mês de julho que tiveram seus pedidos de criação de cursos de Direito na modalidade a distância aprovados pelo Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável por analisar os projetos.

Desde 2009, diversas instituições buscavam o credenciamento junto ao MEC de cursos de Direito feitos de forma 100% virtual. Os pedidos ficaram parados durante anos, mas de acordo com o Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior (Semesp), cerca de 90% das instituições com pedidos de autorização relataram movimentações recentes em seus processos.

Um dos motivos relatados para o rápido andamento e as autorizações recebidas pelas instituições foi o fato de que, a partir de abril de 2021, em decorrência da pandemia de Covid-19, o Inep começou a fazer as visitas de forma virtual. Os avaliadores fazem entrevistas online e verificam as instalações das faculdades por meio de câmeras, o que dispensa viagens.

Foi nesse contexto que instituições particulares anunciaram que receberam avaliações positivas do MEC, alcançado uma etapa mais adiantada do processo de credenciamento, algo inédito para o curso de Direito.

A liberação para que as instituições abram processo seletivo e façam matrícula de estudantes ainda depende de autorização final do MEC, com publicação no Diário Oficial da União.

A questão gera muitas dúvidas e questionamentos sobre o futuro do ensino jurídico no país, pois a demanda pelo ensino a distância cresceu muito nos últimos anos, especialmente durante a pandemia. Segundo o Mapa do Ensino Superior no Brasil do Semesp, a rede privada registrou um aumento de 9,8% nas matrículas em cursos EaD durante o primeiro semestre de 2021.

Para o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques, a implantação de cursos de Direito na modalidade a distância é “altamente temerária”. Diz acreditar que a medida é um desserviço tanto para o ensino jurídico quanto para o direito do consumidor.

 O diretor ressaltou que a experiência do ensino na forma remota, ocasionada pela pandemia, demonstrou quanto é difícil a promoção de um bom curso de direito em ambiente virtual. A universidade fez o possível para continuar com as mesmas atividades, mas, de toda forma, o ensino a distância trouxe perdas relevante ao processo de aprendizagem. “Tornar perene o ensino remoto pode eternizar a precariedade do ensino jurídico”, pontuou.

Segundo Floriano, a aula presencial é insubstituível, tanto pela interação do professor com o aluno, quanto pela interação entre os alunos, pois o Direito é uma ciência social e não deve se transformar em “!pílulas de conhecimento”.

“Há uma série de atividades interativas que demandam a participação do aluno, e algumas abordagens de ensino que são incompatíveis com o ensino remoto. O curso de direito virtual não vai formar um jurista.”

Além disso, na opinião do professor, recrutar consumidores para cursos 100% online vende a falsa ilusão de que essas pessoas terão uma experiência adequada, mas acaba sendo vendida uma ilusão.

José Rogério Cruz e Tucci, sócio do escritório Tucci Advogados Associados e professore de Direito da USP, não concorda com esse modelo de curso para ensino do Direito. Na sua opinião, como o MEC já considerou que diversos cursos de pós-graduação não tinham qualidade suficiente na forma virtual, disse acreditar que a graduação também não atinge os padrões de qualidade necessários para uma boa formação.

Engels Rêgo, diretor da Unyleya, uma das instituições aprovadas pelo MEC, ressaltou que o curso 100% digital possibilita o acesso de pessoas que têm dificuldade de frequentar um determinado local físico ou que necessitem de total flexibilidade de tempo e ritmo.

“O advento da pandemia da Covid-19 fez com que os cursos passassem a ser oferecidos de maneira remota, mas isso é diferente de conceber um programa realmente a distância, com toda a metodologia e tecnologia que a modalidade requer. Com a autorização do MEC, o mercado poderá ter um curso efetivamente digital, concebido para os dias atuais e formando profissionais para o presente e o futuro da prática do Direito”, afirmou.

Em publicação no site da Uninter, a coordenadora e organizadora da grade curricular do curso de Direito EaD, Tiemi Saito, afirmou que a proposta não é apenas transportar a matriz curricular do Direito presencial e projetar as aulas expositivas de forma gravada.

Segundo ela, foi preciso estruturar um novo curso de Direito, o que comprova que é possível otimizar a aprendizagem das ciências jurídicas pelo ensino a distância e utilizando-se de ferramentas tecnológicas não como meros aparatos, mas como ferramentas efetivas no processo de ensino e aprendizagem.

Tiemi ressaltou que o ensino a distância torna possível o sonho de diversos brasileiros que, por razões circunstanciais, culturais e econômicas, não conseguiam antes se formar em Direito. “É democratizar o acesso à justiça e o acesso ao ensino jurídico de qualidade.”

A opinião da OAB

Quando surgiram os primeiros pedidos de credenciamento de cursos de Direito EaD, a Ordem dos Advogados do Brasil fez pressão política contra os andamentos desses processos.

Com a retomada de alguns processos de autorização, no final de 2019, a Ordem entrou com um pedido liminar na 7ª Vara Federal do Distrito Federal requerendo o reconhecimento da inviabilidade da oferta de cursos de Direito a distância.

Foram apresentados dois argumentos principais: inexistência de regulamentação específica que autorize a oferta de cursos de Direito a distância e a incompatibilidade entre as diretrizes curriculares da graduação jurídica, que tem a prática como eixo nuclear.

A OAB também sustentou que o Brasil não comporta mais cursos na área de Direito e que as novas vagas não atendem aos padrões de qualidade.

Atualmente, já há mais de 1,8 mil cursos de Direito, com cerca de 350 mil vagas anuais. O Brasil está entre os países com mais advogados no mundo: são 1,2 milhão de profissionais do ramo, ou seja, um advogado a cada 174 habitantes. Já o “estoque de bacharéis” em Direito, aqueles que se formaram, mas não passaram no exame da Ordem, é de 2,5 milhões, que é um indicativo da baixa qualidade de alguns cursos, segundo a entidade.

A Ordem acabou derrotada sob o argumento de que a fiscalização dos cursos não cabe às entidades representativas de classe, mas ao MEC.

Em 2020, a OAB ainda ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal, com objetivo de suspender a autorização de novos cursos e a expansão de vagas, tanto no ensino presencial quanto no EaD. O pedido foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Conjur

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Adalberto Targino: ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Adalberto Targino

O dia do jurista, recentemente, foi festejado com pompas que merece pelo seu significado político-social-econômico. Esta data, 11/08/1821, lembra a criação dos cursos jurídicos no Brasil, por ato do Imperador D. Pedro II, notadamente na Capital de São Paulo e em Olinda, Estado de Pernambuco.

Este dia merece uma reflexão para os que cultivam a memória das idéias libertárias de advogados como Rui Barbosa, Benjamim Constant, Miguel Reale, Sobral Pinto, Clóvis Beviláqua, Tobias Barreto e outros de cuja atuação patriótica e fervorosa imprescindíveis é motivo de orgulho à história épica do nosso passado. Ainda hoje refletem como luz na trilha de nossa gente alquebrada pelos péssimos exemplos de homens públicos que enlameiam os palácios governamentais.

O Dia do Advogado transcende, com certeza, o exercício da advocacia, pois além de remeter a formação das cognominadas profissões forenses (advogado público, defensor público, delegado de polícia, professor de direito, magistrado e membro do Ministério Público) se confunde com a senda gloriosa de notáveis jornalistas, políticos e administradores públicos do País.

Sem ufanismo, as marcas do tempo e os calos d’alma ensinaram-me que não se pode pensar em Nação respeitável sem a existência de grandes juristas-pensadores (não somente processualistas catadores de causas) e, por via de conseqüência, com leis justas e humanas.

Contudo, é necessário repensar o ensino jurídico, porque sem o seu bom funcionamento só teremos advogados iludidos pelo falso saber e constituintes ludibriados pela pseudo defesa.
Não há como burilar juristas e elaborar leis inteligentes se o ensino jurídico brasileiro descamba para o burlesco, o folclórico e o ridículo. Algumas Universidades, infelizmente, transformaram-se em verdadeiras “fábricas de diplomas”, que objetivam regularizar situações funcionais, satisfazer vaidades escusas e a ganância de certos “comerciantes do saber”.

Como se não bastassem os mercenários vendedores de diplomas e os aventureiros compradores destes, o ensino jurídico continua sendo ministrado por meio de árido e fatigante método formalístico de docentes imobilizados numa posição didática que os mumifica e “petrifica” em desoladora estagnação cultural.

A preocupação com a metodologia do ensino jurídico deve ser permanente, pois “é o curso de Direito que forma com exclusividade os profissionais, integrantes de um dos Poderes do Estado (o Judiciário), trata da matéria-prima de outro poder (a Lei, para o Legislativo)”, além de formar os profissionais de funções essenciais à Justiça, como Procuradores do Estado, membros do Ministério Público e Defensores Públicos.

O que “qualifica um advogado para ensinar o Direito, não é tão somente a experiência no trabalho, no escritório de advocacia, nem a experiência nos Tribunais ou na argumentação de casos”. Não é o tentame, enfim, no uso e manejo da lei, mas o tirocínio na lei da aprendizagem, da didática moderna, da Pedagogia e, porque não dizer, dos bons conhecimentos da Psicologia do Ensino e o máximo de vocação, desprendimento, cultura geral e aptidão para transmitir (uma voz audível), tudo isso aliado à paciência e aos conteúdos específicos e geral bem transmitidos. Caso contrário, os “mestres” não passarão de meros papagaios a vomitar fórmulas e conceitos engolidos e mal digeridos pelos atônitos “acadêmicos”.

É esta, lamentavelmente, a calamitosa realidade do ensino jurídico no Brasil. Sob a égide da ganância inescrupulosa e do influxo mercantilista que assola a sociedade atual, os cursos de direito são oferecidos, em algumas universidades, como mercadorias. As faculdades se multiplicam irresponsavelmente, numa disputa de mercado como “bodegas” da esquina, transformando o estudante em comprador comum.

Como conseqüência, a reprovação nos exames da OAB tem sido, conforme a média nacional, superior a 85%, deixando desvanecidos inúmeros bacharéis, com a ilusão de que são “doutores”, porem desempregados e à margem do mercado de trabalho.

Ante tão grave fato histórico, o Instituto dos Advogados Brasileiros, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério da Educação, os Conselhos Estaduais de Educação, as universidades públicas e algumas particulares responsáveis, devem dar um basta a essa venda nefasta de diplomas, senão, a longo prazo, o Dia do Advogado, que se confunde com a data da fundação do Ensino Jurídico, será comemorado como o dia da saudade dos inefáveis bacharéis que construíram e escreveram a História do Brasil, com poucos para empunharem o seu estandarte de lutas, cultura, ética e civismo.

*O autor é Procurador do Estado e Especialista em Gestão Educacional.