Jornalista Margot Ferreira, conta linda História de sua Vó “Um misto de Santa e bruxa”
Eu tinha 9 anos de idade quando ela morreu. Lembro da sua baixa estatura, que fazia eu me sentir gente grande ao seu lado. Sua pele, quase azul de tão branca, herança dos pais portugueses, contrastava com os longos cabelos grisalhos. Ao entardecer, um ritual diário: sentada na varanda em sua cadeira de balanço, olhando sem ver o movimento da rua, ela tecia uma longa trança cor de prata enquanto solfejava ladainhas com sua voz de soprano, num quase transe. Era naquela varanda, sentada naquela mesma cadeira, que a velha descascava dezenas de laranjas para os netos que se sentavam à sua volta, fazendo desenhos curiosos com as cascas que caíam. Quando a noite se aproximava, ela simulava orações católicas dedilhando o terço de contas de cristal. Mas se o tempo fechasse, se valia de rezas profanas em dialetos estranhos para que Santa Bárbara, sua protetora, fizesse com que a chuva parasse. Vovó tinha medo dela, da chuva, com seus trovões e relâmpagos picotando o céu.
Tinha sido uma criança precoce por força das circunstâncias. Casou-se aos 13 anos. Teve o primeiro filho aos 14. Sua sogra, uma espanhola com fama de bruxa nas redondezas da Patu do século passado, fazia o papel de mãe, ensinando à menina palavras estranhas que lhe afugentassem os medos. Foi assim que ela aprendeu a “parar a chuva”.
“- Você quer ver vovó parar a chuva? Vovó para!”
Sentada aos seus pés, a criança que eu fui se divertia e ria quando a chuva parava.
Minha avó era assim. Um misto de santa e bruxa.
A figura altiva, e ao mesmo tempo tão próxima, que pincelou de poesia e mistério a minha infância, partiu numa madrugada chuvosa em que relâmpagos formavam quebra-cabeças de luz e sombra. Era 4 de Dezembro. Dia de Santa Bárbara e de Iansã, rainhas das tempestades.
Jornalista Margot Ferreira
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